NA TERRA DE SALAZAR
É aqui que estão as minhas raízes! Nas leiras e pinhais da minha aldeia, nos horizontes recortados pelo Caramulo e pela Estrela.
Ao lado da EN 2, no Vimieiro, em Santa Comba Dão, esta placa assinala a casa onde nasceu António de Oliveira Salazar.
Depois de ter sido lente na Universidade de Coimbra e Ministro das Finanças, em 1930, chega a Presidente do Conselho de Ministros, cargo que exerceu durante 38 anos. Em regime totalitário, Salazar teve a ajuda de uma polícia política que não evitou um atentado, em 1939, o sequestro do navio Santa Maria, uma tentativa de golpe de estado por parte de Botelho Moniz, a perda de Goa, Damão e Diu e o despoletar da Guerra Colonial.
A estas dores de cabeça do antigo regime, podemos acrescentar a contestação do Bispo do Porto,a revolta de Beja e a crise académica, nos anos sessenta.
As maiores alegrias do tempo de Salazar prendem-se com o evitar do envio de tropas portuguesas para a II Guerra Mundial, a Exposição do Mundo Português, em 1943, e principalmente o saneamento das finanças públicas.
Esta longa carreira política foi sempre aceite por Salazar como uma missão patriótica. Mas, mesmo esta predestinação do destino foi alvo do humor, muito próprio, que o caracterizava.
Quando tomou conta das Finanças, logo o antigo condiscípulo de Coimbra, Cardeal Cerejeira lhe enviou um bilhete com a missiva: António, foi Deus que te chamou para salvar a Nação. A isto prontamente respondeu:Manuel, quem me chamou foi o José Vicente de Freitas, o presidente do Governo.
A personalidade de Salazar foi sempre mais de um rural que de um citadino:
É bom pisar o chão onde fortalecem as minhas cepas e cresce o milho das minhas broas.
Foi à procura desses traços de ruralidade e do que resta dos sinais de Salazar, no Vimieiro, que O Som da Gente foi até Santa Comba Dão.
Encontrámo-nos com um dois dois sobrinhos netos, Rui Salazar de Lucena e Melo.
Rui Salazar, nascido em Coimbra, filho de um médico militar e de uma filha de Laura, a irmã mais velha de Salazar, vive hoje ao lado da escola que o povo diz que foi mandada construir pelo ex-governante. Ora, pelo que o sobrinho nos contou, não é bem assim.
Esta escola-cantina foi doada à terra por uns brasileiros que, com esta oferta, quiseram presentear o Presidente do Conselho de Ministros.
Segundo nos contou o mesmo familiar, esta não foi a primeira escola do Vimieiro. Essa era numa casa térrea, em terrenos do pai de Salazar, a quem o Ministério da Educação pagava renda.
Esta é actualmente a parte da casa onde nasceu e viveu Salazar. Era por esta porta que geralmente Salazar entrava e não pela frente que ladeia a estrada Viseu - Coimbra.
Embora gostasse de dizer que era pobre filho de pobres, recuando no tempo, a casa e a quinta situam a sua família na classe média.
O pai de Salazar, no início, teria ganho algum dinheiro com o alojamento do pessoal da renovação da Linha da Beira Alta e, como feitor dos Perestrelo, também teria angariado posses para comprar algumas das propriedades desta família fidalga.
A esta herança, Salazar teria ainda acrescentado mais algumas propriedades que entretanto adquiriu a outros vizinhos.
A quinta que foi atravessada pelo IP3, actualmente em estado de abandono, revela ainda o que seria, na altura, uma boa herdade de produção agrícola, a nível de cereais e animais domésticos
Para além das propriedades junta à casa, Salazar plantou, noutro local, uma vinha que produzia o vinho Quinta das Ladeiras. Ainda hoje restam algumas garrafas com vinho do seu tempo.
Quando entramos na casa, pela tal porta das traseiras, lá encontramos também, desmontada, a mobília de quarto.
Nos outros aposentos, dezenas de sacos de lixo guardam livros, outros documentos e objectos.
Na Câmara Municipal muitos outros bens pessoais de Salazar esperam também classificação e tratamento.
A preservação da casa e de tudo isto passa pelo entendimento com o outro sobrinho de Salazar visto que Rui Salazar já doou a sua parte à autarquia.
Noutra casa do Vimeiro, estão bens que vieram de Lisboa. Uns sofás, uma secretária e o rádio onde Salazar ouvia a BBC e a Voz de Argel, em ondas curtas. Estes são bens particulares de Salazar, reafirma-nos insistentemente o sobrinho. O que era do estado ficou em Lisboa, outro espólio está na Torre do Tombo.
Este material está numa casa, perto da estação ferroviária do Vimieiro, e foi já sede do N.E.O.S. (Núcleo de Estudos Oliveira Salazar que, segundo nos disseram, brevemente passará a ter sede nos arredores de Lisboa.
Antes de deixarmos a casa e quinta de Salazar, reparámos num velho automóvel que era do pai de Rui Salazar e que o sobrinho emprestava ao tio quando Salazar passava férias no Vimieiro.
Continua a distinção entre o particular e o público. Em férias, nem o carro, nem o motorista eram do estado.
Salazar repousa hoje, em silêncio, por baixo de pesada laje tosca de granito, no cemitério do Vimieiro. Se para alguns continua a merecer respeito, a os outros, também já não mete medo. Pelo estado de abandono dos seus bens, a muitos dos seus conterrâneos falta sobretudo coragem para decidirem o que fazer com este património.
Coragem que não faltou a um comerciante de Torres Novas que, em pleno PREC, veio ao Vimieiro colocar pesada pedra que ainda hoje se encontra na cabeceira da sepultura e onde se pode ler: havemos de chorar os mortos se os vivos o não merecerem.
Os nomes dos políticos só devem ser dados a monumentos e obras públicas, cem ou duzentos anos depois da sua morte...
Acreditando nestas palavras de Salazar, o tempo de se fazer a história ainda não chegou.
Até lá, vão-se divulgando factos e opiniões que podem, ou não, ajudar a fazer essa história.
Por agora, o julgamento da vida deste e doutros políticos fica para o ouvinte ou o leitor. Não nos substituímos a ninguém em juízos de valor.
Para o post de hoje socorremo-nos do livro O Diário de Salazar, da autoria de António Trabulo e do site Vidas Lusófonas onde Fernando Correia da Silva, exilado político, no tempo de Salazar, faz interessante biografia da personalidade a que se refere o programa de hoje. Faça uma visita: http://www.vidaslusofonas.pt/salazar.htm.
Fotos:Alcides Riquito