FIGUEIREDO DE ALVA
CANTAR ÀS ALMAS SANTAS
A Igreja Católica continua a celebrar a Quaresma como tempo de abstinência, reflexão e penitência.
É um tempo também de recordar quem partiu.
Em muitos lugares das nossas aldeias, só homens, só mulheres e também homens e mulheres juntam-se para cantarem e rezarem às almas.
Na tradição, a amenta, ementa ou encomendação das almas era um dos costumes mais respeitado e acarinhado pelo povo. Quaresma fora, em condições climatéricas tantas vezes desfavoráveis, o grupo da ementa das almas ia para a rua cantar e rezar. As almas dos entes queridos, sujeitas às penas do purgatório, necessitam das preces dos vivos para alcançarem a vida eterna.
Na freguesia de Figueiredo de Alva, concelho de S. Pedro do Sul, voltou o bom costume da ementa das almas.
Antigamente, eram só os homens que, pela calada da noite, iam cantar e rezar pelos que já partiram. Hoje, são mais mulheres que homens que cantam e rezam palas almas.
"Acordai que estais dormindo, neste sono em que estais...", assim começa a ementa das almas e, exortam que todos cantem e rezem com o grupo, "Ò almas tão esquecidas, que fazeis que não rezais..."
E assim, durante mais de uma hora, cantam-se cinco cânticos (a Ementa, o Grito das Almas, os Martírios da Cruz, o Perdão, e À Porta das Almas Santas). Na semana santa, temos ainda os Martírios da Semana.
Gina Maria Martins lidera o Grupo que este ano faz os cânticos às almas santas, no povo de São João, na freguesia de Figueiredo de Alva. No próximo programa de O Som da Gente vai contar aos ouvintes da Rádio Lafões como se vai, por ali, cumprindo a tradição que herdaram dos mais antigos.
Gina Maria fala-nos do silêncio e do luto que o povo ainda hoje guarda, durante a Quaresma, mas aborda também a alegria do sábado de santo e do domingo da Páscoa. Ao de leve, referiu igualmente o costume do serrar à velha, tradição mais pagã que religiosa.
O amentar ou ementar das almas é uma prática religiosa e popular que se desenvolve à margem dos ritos oficiais da Igreja.
As mulheres e homens do nosso povo, mesmo que nunca faltem à missa, continuam a cantar e a rezar orações que não vêm nos livros oficiais da Igreja.
Foi isso que ouvimos em Figueiredo de Alva.
Senhoras de idade, algumas sem saber ler nem escrever, contaram-nos que há orações para tudo: ao levantar (Vem com Deus árvore do dia...), ao deitar (Nesta cama me vou deitar, sete anjinhos fui achar...), para substituir a confissão presencial (Aos pés do confessor, nunca os confessei bem confessados...), entre o cálix e a hóstia, entre a consagração e a comunhão (Jesus do horto, foste vivo, foste morto, confessai os meus pecados, esquecidos e lembrados...) e, claro, à Virgem Pura:
Quem esta oração disser
Um ano continuado
Terá tanto de perdão
Como ervas tem o prado
(...)
Quem esta oração disser
Um ano, dia a dia
Achará as portas do céu abertas
E as do inferno nunca as veria
(...)
Quem esta oração saiba e não diz
Quem a ouça e não a aprenda
Lá no dia do juízo
Verá o que lhe pretende
A Rádio Lafões e O Som da Gente agradecem a Manuel Fernandes, Maria da Ana, Arminda do Lácio, Emídia do Adelino, Adília Fernandes, Arminda Fernandes, Manuel Viúvo, António Rocha (Tarrelo), Lurdes Pinto, Júlia do Alácio, Lúcia do Alácio, Pedro Rocha, Maria José Viúvo, Adília do Bento, Adélio Sapateiro, Maria do Requinta e Sílvia Pinto a colaboração que nos prestaram. Aqui ficam os nossos parabéns por continuarem a cantar às almas, em Figueiredo de Alva, e a rezar as orações que a oralidade popular deixou na memória do nosso bom povo.